Creio que, finalmente, consegui decifrar o que afecta o meu algoritmo de Instagram. E o mais chocante, para mim, é perceber que não é inteiramente culpa do Instagram - é de mim. Embora não seja bem uma culpa - é apenas uma realidade que tenho de abraçar.
Vou dar uma volta um bocado maior do que era suposto para chegar onde quero. Se subscreveram isto, sabem que este é o lugar para isso. Cá vai.
Há uns anos, como é público, estive perto de um meltdown que me obrigou a procurar apoio especializado. Fiz terapia, e foi das melhores decisões que tomei na vida. O problema que consegui identificar na altura, é que havia dois Nunos Markl e um estava a devorar o outro. Havia o Nuno Markl ser humano e havia o Nuno Markl boneco de comédia, o tipo distraído a quem acontece tudo e de quem toda a gente se ri (e que, no fundo, é o ganha-pão do Nuno Markl ser humano).
Talvez por, na altura, estar sozinho, a pessoa Markl entrou em modo de avião, deixando que a personagem Markl tomasse conta de tudo. Ao início não dei por isso, até porque um não existiria sem o outro: a personagem Markl só existe porque existe a pessoa Markl. É fácil confundir um e outro. Mas não tardou para perceber que eu - e a minha família, e amigos - já não conseguiam exactamente processar quem era a pessoa Markl, até porque eu me abria mais na rádio ou nas redes sociais, para os ouvidos e os olhos de milhões de estranhos, do que para quem me era próximo.
A terapia ajudou a destrinçar os dois Markls - ou “o Nuno e o Markl”, como alguém me disse uma vez, e bem - e a minha sanidade mental melhorou significativamente.
O que tem tudo isto a ver com algo tão frio e aparentemente inútil e fútil como o algoritmo do Instagram? Porque agora que consegui separar estes Markls, constato que há mais Markls separados uns dos outros.
Quando entrei no Instagram e comecei a ver o número de seguidores a subir a ritmo intenso, fiquei feliz, claro. Quando se tem um trabalho público, mentirá quem diga que não tem interesse a que chegue a muita gente. Percebi que era uma boa ferramenta de promoção do que se faz, um palco onde disparar uma ou outra observação cómica, uma plataforma capaz de ajudar a fazer o bem (e já lá se conseguiu dar bons impulsos a petições ou angariações de fundos importantes), mas, ingenuamente, achei também que poderia ser um bom veículo para, sobretudo agora que está com mais de 900 mil seguidores, tentar interessar as pessoas em sugestões de coisas que eu acho interessantes - filmes, livros, música - e que podem não ter exactamente a ver, à partida, com o universo de “blockbusters” que tenho a sorte de fazer na rádio - O Homem Que Mordeu o Cão - ou na televisão - o Taskmaster. Algumas dessas sugestões espantam alguns dos meus seguidores. Quando outro dia manifestei o meu afecto pela animação japonesa Chainsaw Man, houve muito quem dissesse coisas tais como “o Markl gostar de Chainsaw Man não estava no meu bingo de 2025”, apesar de não ser a primeira (nem a segunda, nem a terceira, nem talvez a centésima) vez que falo do quanto gosto de anime.
A razão pela qual essas pessoas ficaram espantadas é simples. O algoritmo do Instagram sabe o que funciona com a maioria das 900 e tal mil pessoas que me seguem, e que me seguem por causa de O Homem Que Mordeu o Cão ou Taskmaster. O algoritmo percebe que é esse o Markl mainstream, e já nem se dá ao trabalho de distribuir o que o Markl que, por exemplo, lê livros, quer aconselhar a quem o segue. Quando há tempos eu disse que a palavra “livro” matava instantaneamente posts no Instagram, achei que era no geral - mas não. Um perfil de Instagram que se especializa em livros terá sempre tremendo engagement com quem o segue, porque o segue por gostar de livros. O que se passa é que não é “consentido” a um tipo que faz coisas mainstream, que use o alcance mainstream que tem para mostrar que há algo mais na vida do que o mainstream.
Lembro-me que quando o Bruno Nogueira, o Filipe Melo e eu fizemos posts em simultâneo para promover o nosso espectáculo Uma Nêspera no Cu, o número de likes e de alcance obtido pelo Bruno e o Filipe, tendo eles menos seguidores do que eu, era incomparavelmente maior. Ficámos os três espantados com isso, mas é agora fácil de perceber: toda a gente que segue o Bruno e o Filipe sabe exactamente o que eles são e segue-os exactamente por aquilo que eles são e o trabalho que fazem. Eles têm o seu planeta definido. Eu esvoaço entre planetas. O Instagram não sabe exactamente a quem distribuir, ou se vale a pena distribuir, a informação de que estou num projecto que não é bem o bom velho Markl das fotos das cadelas (outra coisa que funciona bem no meu Instagram, tendo-me levado já a usar a Flor e a Chiclete para promover coisas que gostaria que chegassem a mais pessoas).
Ora, eu estou feliz com a carreira que tenho e com tudo o que faço. Seria insultuoso lamentar-me disso só porque a maior rede social do mundo espezinha o Markl que gosta de anime e dos Talking Heads e adoraria que mais pessoas gostassem. Mas por trás destas jigajogas do algoritmo reside uma das minhas eternas inquietações, resumidas há uns anos por alguém que me dizia, e não sem alguma razão, “tu és demasiado mainstream para ser alternativo e demasiado alternativo para ser mainstream”. A vida não me corre mal, mas enquanto criador e divulgador, às vezes dou por mim nesta estranha terra de ninguém.
Lembro-me - agora, á distância, com algum humor - de quando numa reunião de apresentação do projecto da minha série televisiva 1986, na RTP, um dos intervenientes na reunião decretou, ainda sem ter lido nada dos guiões: “Markl, tu sabes lá escrever uma história de amor. Tu és um gajo das piadas.” Felizmente, acho que a história de amor dessa série não ficou mal de todo. Mas este é um país de etiquetas fáceis e simples. Quando me dizem “tu tens nome neste meio, és o Nuno Markl, porque é que não consegues vender os teus argumentos?”, a minha resposta é simples: “Porque sou O Homem Que Mordeu o Cão.”
E atenção: é óptimo ser O Homem Que Mordeu o Cão. Por mim, farei aquela rubrica até ao fim dos meus dias, porque amo a Rádio, e amo contar histórias na Rádio. Isso é uma das felicidades da minha vida. Mas talvez seja também a razão pela qual o meu algoritmo no todo-poderoso Instagram está pelas ruas da amargura. E a razão porque vim para aqui maçar-vos.
Sinto que a separação desses 2 "Nunos" também levaram a uma atração de 2 tipos de seguidores. Os que procuram apenas o Markl desastrado, e os que efetivamente olham para Markl como uma comédia acompanhada de valores, empatia e capacidade crítica.
Infelizmente os seguidores "limitados" muitas das vezes não sabem lidar com essa partilha de opiniões e normalmente reagem com o clássico "Este agora também se quer armar em político. Limite-se a fazer palhaçadas!". Esta é uma das ferramentas principais de várias pessoas que discordam de algo nas redes sociais vindo de alguém com outra especialidade. Tentam criar a ideia de que está limitado ao que lhe deu fama e se ousa falar de outro assunto com alguma seriedade, das duas uma, ou é ignorado por completo, ou está a seguir essa onda que para aí vai dos woke/esquerdalha (termos agora usados para descrever qualquer empatia demonstrada online, como se isso se tratasse de algo negativo). Acredito que muitas das vezes não seja por mim, principalmente nas gerações para lá dos 40s. Aí ainda reside muito aquela ideia limitada de "Um homem é um homem, um bicho é um bicho". Não é que acredite a 100% naquela desculpa do "eram outros tempos" mas sinto que muitas das vezes essas ideias vêm naturalmente e sem grande reflexão sobre elas, por terem sido durante tanto tempo normalizadas.
O pior disto tudo? Estes costumam ser os mais vocais.
Felizmente existe o segundo tipo de seguidores. Estes não são só os que apreciam as avaliações de filmes ou os comentários sobre assuntos sérios. Estes também são os que apenas esperam o lado mainstream de Markl mas que não se incomodam com o lado alternativo e que podem vir até a aprecia-lo.
Pessoalmente já fui o seguidor apenas do Homem que mordeu o cão mas ao longo do tempo tudo o resto tornou-se uma referência para mim. Seja qual conteúdo irei ver hoje à noite na minha TV, seja qual conjunto de Lego é que ficaria bem na minha prateleira. Provavelmente teve
influência o facto de eu limitar bastante o número de páginas que sigo no Instagram, mas todo esse crescimento como seguidor foi algo m que só aumentou a admiração pelo lado cómico. Aliás, acho que esse equilíbrio entre lados é o que torna Nuno Markl numa das maiores referências deste meio no nosso país. Daí discordar um pouco com "o trapalhão é o ganha pão", mas também, no que toca a Markl, quem sou eu para além de um mero seguidor de redes sociais e ouvinte de rádio.
E que bom que é esvoaçar entre planetas!! 😊💛